terça-feira, 20 de janeiro de 2009

20º alvorecer - Parte de uma entrevista com o bom véi, Ferreira Gullar



Mas hoje a globalização não está fazendo esse particular desaparecer? O mundo e a arte não estão cada vez mais “internacionais”?
F.G. – É uma tendência que já havia na época. A arte se tornou uma mercadoria e o mercado de arte, que era nacional, se tornou internacional. A arte conceitual que se pratica hoje no Brasil é a mesma em todas as partes do mundo. Qual é a sua característica própria? Nenhuma. Quem se expressa através disso? Como já dizia o Mário de Andrade, o internacional é o nacional de algum país. O internacional é uma abstração. É um domínio de um país sobre todos os outros. A arte conceitual, no caso, é uma tendência norte-americana, uma tendência introduzida por Duchamp num país sem tradição pictórica e que se alastrou pelo mundo. Evidentemente, a pintura do Antonio Henrique Amaral é muito mais criativa, marcante e enriquecedora do que a obra desses artistas que fazem sempre o mesmo urinol do Duchamp, ou a mesma instalação, ou a mesma arte em vídeo – como ocorreu na última Bienal de São Paulo. É contra isso que eu me voltava e nesse sentido acho que – à parte algumas coisas de caráter ideológico que não têm mais cabimento – Vanguarda e subdesenvolvimento continua a dizer coisas válidas no que se refere à questão da essência artística.
Cult – Falando dessa relação entre avaliação estética e mercado, você acredita, que o expressionismo abstrato norte-americano se tornou hegemônico porque vem de um país hegemônico?
F.G. – Sim, ele se impôs. E as Bienais e exposições internacionais também são expressão desse sistema da arte, em que rola muito dinheiro e prevalece o prestígio internacional do país e de suas instituições museológicas. Recentemente, o presidente da Fundação Guggenheim – que está abrindo filiais em várias cidades do mundo, incluindo o Rio de Janeiro – declarou ao New York Times que hoje em dia é mais fácil conseguir dinheiro para fazer museus do que para comprar obras de arte. O museu não é mais feito para conter obras de arte, é o museu pelo museu.
Cult – É o triunfo do formalismo: não se trata mais da forma da obra, mas da forma que contém a obra...
F.G. – O próprio Guggenheim é o primeiro museu feito assim. O arquiteto Frank Lloyd Wright projetou o Guggenheim de um modo que não tinha nada para ser museu, com paredes em curva, rampas e complicações arquitetônicas em que o museu em si é que passa a ser importante, mesmo se lá dentro estão obras de Malévitch ou Mondrian. Foi nisso que eles se inspiraram para fazer, por exemplo, o Guggenheim de Bilbao [na Espanha], que é uma extravagância arquitetônica.
Cult – E onde está a arte brasileira com traços particulares?
F.G. – A arte brasileira é o Siron Franco, o João Câmara, o Franz Weissmann, o Marcelo Grassman, com suas gravuras belíssimas. É claro que esta arte não vai competir com esse mundo disparatado do Big Brother ou da arte em vídeo, que é uma coisa chatíssima e que só existe para curadores. As pessoas vão procurar onde está o ser humano, que muitas vezes pode estar numa pequena gravura ou num quadro. Há um ano eu assisti a um espetáculo na Urca, para um público de cinco pessoas, encenado no quarto de uma casa. Sabe o que estava sendo encenado lá dentro? Crime e castigo [adaptação do romance de Dostoiévski], uma experiência incrível. Enquanto o mundo vai ficando globalizado e massificado – o que vai contra o ser humano, porque ninguém nasceu para morar em cidades do tamanho de São Paulo ou da cidade do México e por isso as pessoas vão se juntando e criando pequenas tribos –, a verdadeira arte está sendo feita para pequenos grupos de pessoas que ainda se comovem.
Cult – Isso inclui a poesia?
F.G. – O poeta não está nisso. A poesia, felizmente, não tem mercado e por isso não foi arrebatada por essa loucura. Eu costumo dizer que a poesia não vale nada, não tem nenhum valor... no mercado; ela só tem valor para as pessoas que a amam.

Parte de entrevista publicada na Revista Cult nº 60 da Editora 17 - http://www.revistacult.com.br/
Entrevista completa: http://www.culturapara.art.br/opoema/ferreiragullar/ferreiragullar_ent.htm

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

19º alvorecer - Pesadelo


Essa noite tive um pesadelo desgraçado. Deus me livre!
Um ex-professor meu, muito dedicado por sinal, apareceu aqui na porta
pedindo piedade, uma noite de sono apenas. Prontamente insisti que pusesse as sandálias e a cerimonia do lado de fora. Assim se deu.
- Entre, professor.
Deixei-o na sala, peguei minha toalha e fui tomar banho. No que sai do boxe, peladão, dei de cara com o malandro, cheio de lascívia, me esperando.
Era tudo ou nada!
Como quem numa guerra, parti pra cima do pederasta, piquê-lha porra, rumê-lhe a desgraça, quebrei-o no pau! Foi um furduncio só.
Acordei e a briga nem tinha acabado. Pelo andar da carruagem, acho que venci.
Faz três dias, conheci esse poema de Ferreira Gullar, lembrei-me dele:

MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

(Ferreira Gullar - agosto 1977)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

18º alvorecer - Manoel de Barros


Poeta é um ente
que lambe as palavras
e depois se alucina.


I

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

I
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

sábado, 3 de janeiro de 2009

17º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 8)



A Todos Cumprimento
Nada Me Custa
Só Me Aumenta







"No enterro de Érico Veríssimo apareceu tanta gente desconhecida que, foram saber, eram pessoas que ele cumprimentava quando caminhava. Muitos nem sabiam que ele era escritor, foram ao enterro do homem que os cumprimentava e que, morto, apareceu na tevê. Por isso todas as palavras estão aí com maiúsculas, como nomes de gente."

Tanto o haikai quanto o o comentario: Domingos Pellegrine

http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=753868&tit=Brasigato
http://www.klickescritores.com.br/dompelegr00.html