
Mas hoje a globalização não está fazendo esse particular desaparecer? O mundo e a arte não estão cada vez mais “internacionais”?
F.G. – É uma tendência que já havia na época. A arte se tornou uma mercadoria e o mercado de arte, que era nacional, se tornou internacional. A arte conceitual que se pratica hoje no Brasil é a mesma em todas as partes do mundo. Qual é a sua característica própria? Nenhuma. Quem se expressa através disso? Como já dizia o Mário de Andrade, o internacional é o nacional de algum país. O internacional é uma abstração. É um domínio de um país sobre todos os outros. A arte conceitual, no caso, é uma tendência norte-americana, uma tendência introduzida por Duchamp num país sem tradição pictórica e que se alastrou pelo mundo. Evidentemente, a pintura do Antonio Henrique Amaral é muito mais criativa, marcante e enriquecedora do que a obra desses artistas que fazem sempre o mesmo urinol do Duchamp, ou a mesma instalação, ou a mesma arte em vídeo – como ocorreu na última Bienal de São Paulo. É contra isso que eu me voltava e nesse sentido acho que – à parte algumas coisas de caráter ideológico que não têm mais cabimento – Vanguarda e subdesenvolvimento continua a dizer coisas válidas no que se refere à questão da essência artística.
Cult – Falando dessa relação entre avaliação estética e mercado, você acredita, que o expressionismo abstrato norte-americano se tornou hegemônico porque vem de um país hegemônico?
F.G. – Sim, ele se impôs. E as Bienais e exposições internacionais também são expressão desse sistema da arte, em que rola muito dinheiro e prevalece o prestígio internacional do país e de suas instituições museológicas. Recentemente, o presidente da Fundação Guggenheim – que está abrindo filiais em várias cidades do mundo, incluindo o Rio de Janeiro – declarou ao New York Times que hoje em dia é mais fácil conseguir dinheiro para fazer museus do que para comprar obras de arte. O museu não é mais feito para conter obras de arte, é o museu pelo museu.
Cult – É o triunfo do formalismo: não se trata mais da forma da obra, mas da forma que contém a obra...
F.G. – O próprio Guggenheim é o primeiro museu feito assim. O arquiteto Frank Lloyd Wright projetou o Guggenheim de um modo que não tinha nada para ser museu, com paredes em curva, rampas e complicações arquitetônicas em que o museu em si é que passa a ser importante, mesmo se lá dentro estão obras de Malévitch ou Mondrian. Foi nisso que eles se inspiraram para fazer, por exemplo, o Guggenheim de Bilbao [na Espanha], que é uma extravagância arquitetônica.
Cult – E onde está a arte brasileira com traços particulares?
F.G. – A arte brasileira é o Siron Franco, o João Câmara, o Franz Weissmann, o Marcelo Grassman, com suas gravuras belíssimas. É claro que esta arte não vai competir com esse mundo disparatado do Big Brother ou da arte em vídeo, que é uma coisa chatíssima e que só existe para curadores. As pessoas vão procurar onde está o ser humano, que muitas vezes pode estar numa pequena gravura ou num quadro. Há um ano eu assisti a um espetáculo na Urca, para um público de cinco pessoas, encenado no quarto de uma casa. Sabe o que estava sendo encenado lá dentro? Crime e castigo [adaptação do romance de Dostoiévski], uma experiência incrível. Enquanto o mundo vai ficando globalizado e massificado – o que vai contra o ser humano, porque ninguém nasceu para morar em cidades do tamanho de São Paulo ou da cidade do México e por isso as pessoas vão se juntando e criando pequenas tribos –, a verdadeira arte está sendo feita para pequenos grupos de pessoas que ainda se comovem.
Cult – Isso inclui a poesia?
F.G. – O poeta não está nisso. A poesia, felizmente, não tem mercado e por isso não foi arrebatada por essa loucura. Eu costumo dizer que a poesia não vale nada, não tem nenhum valor... no mercado; ela só tem valor para as pessoas que a amam.
Parte de entrevista publicada na Revista Cult nº 60 da Editora 17 - http://www.revistacult.com.br/
Entrevista completa: http://www.culturapara.art.br/opoema/ferreiragullar/ferreiragullar_ent.htm
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