quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

40º Alvorecer - Natal


Era antiga a profecia. Os três reis magos, das terras do oriente, olharam para o céu e, tendo os canais da sensibilidade abertos, puderam, com uma certeza que acalma qualquer razão, seguir aquela estrela, a luz que os guiaria ao divino representante da expontaneidade, da simplicidade, da perseverança, da graça, da sabedoria. Foram encontrar Jesus!

Jesus estava com José e Maria. O casal não encontrou, em sua própria terra, abrigo ou ajuda para a parição da criança. Provavelmente estavam em dificuldades: um povo de moral rígida, ortodoxa... não aceitavam uma mulher grávida, condenavam-na por estar prenha antes do casamento. Quanto a José, só mesmo um milagre para, num mundo de puritanos e pecadores, fazer um homem acreditar que sua namorada está esperando um filho do espírito santo. Deus nos livre dessa sina!

Jesus tornou-se um grande exemplo de amor, liberdade, soberania, júbilo, gozo de vida. Não nasceu dia 25, tudo bém, mas entre hoje e amanhã comemoraremos sua estada, seus ensinamentos, sua paz de espírito.

Um salve ao grande mestre!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

39º Alvorecer - Torquato Neto em "Cogito"


Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

http://www.revista.agulha.nom.br/tor.html#cogito

terça-feira, 10 de novembro de 2009

38º Alvorecer - Haikai e as lições naturais(parte19)



retrato preto e branco
são chacinas racistas
em fotos de jornais





Tenho me apaixonado pelos estudos históricos constantemente e cada vez mais. As leituras relacionadas a história transformam minha intimidade, minha visão, minha relação com o mundo. me enriquece na medida em que permite uma aproximação com motivaçãoes de atitudes de muitos que estão bem próximos, me facilita o diálogo.
Estudar a história de nossa formação e trocar idéias com amigos e amigas, além de ter a oportunidade de contato com as atividades do movimento Negro, das pesquisas de Brisa, ajudaram-me a refinar constatações óbvias, mas que para muitos não estão tão nítidas assim. Estou falando do racismo, mais especificamente no racismo contra negr(as)os.
Todos os dias os espetáculos da carnificina e da morte relacionados à violência entre as pessoas são expostos nos jornais. O que me surpreende mais do que isso é o fato de que nas manchetes os mortos em sua maioria são afrodescendentes de zonas perifericas das cidades (pelo menos aqui em Itabuna é assim), basta acompanhar o noticiário por um curto período para se perceber. Por isso, por ser tão óbvio, é que me surpreendo mais, e ainda mais, quando tentam abafar o caso negando perceber (ou fingem não perceber) que essa atitude das polícias pertencem a uma herança de política de estado, de embranquecimento da população, de extermínio dos grupos negros ou que tenham qualquer traço que indique negritude.
Para entender esse processo, não podemos nos restringir a simplismos a formação da personalidade do indivíduo, julgando se não sei quem é um crápula ou não, é preciso falar da importação de mão de obra européia, da classificação do criminoso a partir de aspectos físicos, da constituição física de nossos presos, de um estado com fronteiras políticas hegemônicas inventadas por um pensamento europeu, da não distribuição de condições para sustento na época da assinatura da lei áurea, entre tantas outras atitudes de um estado que até hoje se mostra racista, para que se compreenda as mazelas impostas a essas nações, que, para além de qualquer dificuldade, superou-se e resistiu, e hoje marca profundamente nossa história, impondo avanços no reconhecimento de sua contribuição.
Por isso mais essa lição que aprendemos de maneira tão natural.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

37º Alvorecer - Haikai e as lições naturais(parte18)



pedras adornam

um espelho de águas sujas -

corre o cachoeira

.

(foto de luíz conceição)

domingo, 6 de setembro de 2009

36º alvorecer - Guimarães Rosa (Ritmos Selvagens)

foto: autor desconhecido


Ritmos Selvagens


O pica-pau, vermelho e verde,
paralelo ao tronco
branco de papel de uma mirtácea,
como um poeta , que desde a madrugada
vem fazendo o retoque de seus versos,
martela o bico , na casca da árvore,
o poema dos índios caipós:

--“Índios escuros, das terras fechadas,
que ninguém pisou,
dos chapadões a meio caminho dos grandes rios,
broncos e brutos, sem arcos nem flechas,
rompem cabeças de missionários a cacetadas,
fazem tremer, fazem correr as outras tribos,
voam no campo atrás dos cascos dos veados,
matam veados só com pauladas,
caiâmu-poguê-dje –ipô!...”

Depois de pendurar num ramo de cajueiro
a casa de cômodos
em cartolina cônica e amarela,


os estúrdios marimbondos-de-chapéu
saem dos alvéolos e fermentam no ar,
num remoinho de ferrões e de asas,
zumbindo o hino dos índios das matas:

--“Bem escondido entre as ramadas da beira d’água,
como curta e grossa jibóia quieta,
toda enroscada nas penas lindas de uma arara
que devorou,
o nhambiquara, de rosto escuro, zingomas pintados
a jenipapo,
fica dez horas, todo encolhido, de bote armado,
os olhos vivos, o arco pronto, muita paciêcia,
e trinta flechas envenenadas ...”

O paturi, no alto,
deixa escapar do bico a piaba,
que desce no ar como uma gota
de mercúrio vivo,
e grasna para a lontra, que avança n’água,
em linha reta, como um torpedo,
noticias novas que trouxe do Xingu:


--“O bacari, belo e tranqüilo,
com o arco vermelho da guarantã,
parece mudo, parece bobo, olhando a água,
e joga a flechada no rio crespo, fisgando o lombo
de um surubi...
E fica triste, e fica bravo, só porque a ponta da flecha
[longa
pegou dois dedos mais pra baixo, no dorso liso do
[peixe de ouro,
que ele nem viu...”

Triste tucano, de bico armado,
descompensado , maior que o corpo,
chega voando e toma de assalto
um dos fortins da terra vermelha
que as térmicas vão escalonando pela campina,
e, bem na grimpa do cocoruto,
desprende a queixa dos índios do sul:

--“Os índios moles , sujos e tristes,
que não têm redes, que falam manso e dormem no
[chão,
e pulam batendo com as mãos nas pernas
[ensaguentadas


das ferroadas das muriçocas,
e cantam semanas , tirando a carne dos esqueletos, o
[bacororo,
grandes batoques nos beiços grossos, sempre tremendo,
pobres bororos,
sentem a onça a três quilômetros, na mata espessa,
bem antes da fera os farejar...”

E o jacaré crespo, de lombo verde, de papo amarelo,
ensina à arara,
toda azul, de patas pretas , de pálpebras pretas,
que ensina o gavião, que passa no vôo, fino e pedrês,
que ensina a um bando, que vai de mudança, de
[maracanãs,
o canto das índias dos carajás:

--“Carajás das praias do Araguaia,
meio vestidas, meio peladas, mal domesticadas,
mulheres roxas, de nariz chato,de pés enormes,
trincando piolho nos dentes brancos,
índias pesadas, quase na hora de dar à luz,
vêm nas pirogas, em troncos bambos, finos , compridos,
com cachos de meninos , curumins vivos, equilibrados,
dependurados,



e as canoinhas passam ,à flor das águas , como coriscos,
à frente dos ventos, batendo piranhas, vencendo asas e
[pensamentos
Araguaia abaixo, do Caiposinho até conceição...”

O dia inteiro, as águas ouviram,
e as matas entederam,
as vozes que o vento vai levando
para oeste, para longe, para alem de Culuene,
onde o sol se apaga , como a fogueira da última taba,
onde os cocares dos buritis pendem imobilizados,
e o rio marulha a canção dos guerreiros
que vão desaparecer...

(texto: Guimarães Rosa)

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

35º alvorecer- Haikai e as lições naturais(parte 17)




o manzuá no rio
enjaula camarões -
trama de pescador

(Brisa Aziz)

sábado, 25 de julho de 2009

34º alvorecer - Guimarães Rosa


Consciência Cósmica

Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força de dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir , se me retasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...


João Guimarães Rosa (Magma- Editora Nova Fronteira)

terça-feira, 9 de junho de 2009

33º alvorecer - Ganhei um selo!!

Laísa Eça Guimarães Rosa (http://baudacolombina.blogspot.com/), camaradíssima, amiga, parceira de banda, me deu um selo, um selo "bom de blogue". Massa!!


Disse que depois de postar o selo, preciso listar 5 características minhas:
-persistente (no que gosto)
-magro
-míope
-esquecido
-desapegado de tudo (nesse ponto mudei um tanto nos últimos anos)
Agora preciso indicar 5 blogs:
1. Colocar no início de seu post o nome do Blog que te indicou ao prêmio.2. Escrever uma mesagem de agradecimento ao Blogueiro que te indicou.3. Postar o selo 4. Abaixo do selo descrever 5 características sua.5. Indicar o prêmio a 5 ou mais blogs para receber o selo (não indicar blog já indicado).

32º alvorecer - Haikai e as lições naturais (Parte 15)



passa o outono, vai...
quando o vento sopra, caem
folhas de amendoeira

quinta-feira, 28 de maio de 2009

31º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 14)


buscava um haikai,

mas os mosquitos levaram

toda a atenção.

30º alvorecer - Festival FEMUP


Estão abertas as inscrições para o FEMUP

Interessados em participar do 44º FEMUP - Festival de Música e Poesia de Paranavaí e 41º Concurso Literário de Contos, a serem realizados nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2009, podem se inscrever até o dia 29 de agosto.

SÃO R$ 31.750,00 DE PRÊMIOS EM DINHEIRO!

Realizado em Paranavaí há 43 anos, o FEMUP, um dos festivais culturais mais tradicionais do Brasil, é uma iniciativa da Fundação Cultural de Paranavaí. O objetivo do evento é intensificar o intercâmbio artístico entre todas as regiões do País, além de descobrir e valorizar novos talentos.

Para participar, o interessado precisa ser brasileiro, independente de estar no país ou não. As inscrições são gratuitas.

O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis para download no site http://www.novacultura.com.br/

Mais informações em: (44) 3902-1128 ou cultura@fornet.com.br

Participe e boa sorte!

NOS AJUDE DIVULGANDO ESTE EVENTO!
REPASSE ESSE E-MAIL
PARTICIPE NA COMUNIDADE DO ORKUT: FEMUP - BARRIGUDA

Obrigado.

Amauri Martineli
Diretor Cultural

segunda-feira, 25 de maio de 2009

29º alvorecer - Festival da FICC





FICC divulga edital do Festival Firmino Rocha13/05/2009

O diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), Cyro de Mattos, anuncia o edital 04/2009, convidando artistas baianos para que se inscrevam nas modalidades de Teatro, Dança e Música para o IV Festival Multiarte Firmino Rocha, a ser realizado no período de 21 a 26 de julho, no Centro de Cultura Adonias Filho, em Itabuna.
O festival foi instituído pela Lei Municipal nº 1.839, de 27 de dezembro de 2001, e Resolução nº 15, de 15/02/2005, do Conselho Deliberativo da FICC, e é aberto na área de Teatro Infantil, Comédia e Drama. Para Dança são oferecidas inscrições nas modalidades de Ballet Clássico; Dança Moderna e Contemporânea/ Jazz e Dança Popular (folclóricas, urbanas, de salão).
Na modalidade Música estão abertas as inscrições para Banda, bem como apresentações Solo (com acompanhamento para um instrumento) e Instrumental. O edital é dirigido para participantes a partir de 18 anos, nascidos ou residentes na Bahia.
As inscrições serão gratuitas e poderão ser realizadas na sede da FICC, na Praça Laura. Conceição, 339, centro, em Itabuna-Bahia, no horário das 09 às 12 horas, das segundas às sextas-feiras, durante o período de 18 de maio a 19 de junho. No local está disponível o Regulamento de nº 04/2009, que define as normas de participação daqueles que desejam se inscrever nas modalidades indicadas para cada área.
As inscrições de grupos ou bandas deverão ser efetuadas pelo seu respectivo responsável (diretor ou coordenador, produtor, coreógrafo ou ator). Para modalidade “solo”, a inscrição deverá ser realizada individualmente apenas pelo candidato. A Ficha de Inscrição e o Regulamento também estarão disponíveis no site da FICC: www.ficc.com.br.
Os concorrentes em cada modalidade serão pré-selecionados e posteriormente julgados por uma Comissão Julgadora composta por três membros de amplo conhecimento artístico e técnico e de reconhecimento profissional nas áreas indicadas nos dias de suas apresentações.
Os resultados e premiações serão divulgados nos dias indicados para as apresentações e julgamentos de cada área. O Festival premiará o 1º e 2º colocados em cada modalidade das áreas indicadas com o valor de R$ 1.000,00 e R$ 500,00, respectivamente. Serão oferecidos também o “Troféu Multiarte” que indicará três destaques em cada uma das áreas (Teatro, Dança e Música). Os inscritos, incluindo todos componentes dos grupos, terão direito a receber certificados de participação no Festival. Os certificados dos premiados terão referência à ordem de classificação e premiação.

domingo, 24 de maio de 2009

28º alvorecer

Saí com os amigos por essas noites, coisa que não fazia faz tempo. Ví que o frio do meio do ano está chegando. Fora os que dormem na rua, os que moram perto do rio são os que mais sentem (se prepara Laísa! iiiu!).



São as vértebras do poeta
alicerces da poesia -
versos vívidos...
lençol sobre o corpo
num frio da pêga
que dá quando junho chega

segunda-feira, 4 de maio de 2009

27º alvorecer - Discurso do Chefe Seattle

Discurso feito pelo Chefe Seattle ao Presidente Franklin Pierce em 1854(depois do Governo Americano ter dado a entender que desejava adquirir o Território da Tribo)
.
O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.
Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.
Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.
Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.
O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertecem à mesma família.
Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.
Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os riois são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.
Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.
Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das assa de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou rescendendo a pinheiro.
O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.
O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensivel ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragância das flores campestres.
Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios ) matamos apenas para o sustento de nossa vida.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.
Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.
De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.
Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adoçicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.
Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.
Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.
Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Proteje-a como nós a protegíamos. "Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse": E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.

sábado, 25 de abril de 2009

26º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 13)


falha no kigô
o aquecimento global
endoida a estação

quarta-feira, 22 de abril de 2009

25º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 12)






o vento penteia
as palmeiras balançam
na beira do mar.

terça-feira, 24 de março de 2009

24º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 11)


tarde vibrante

circundam cigarras

canto feliz

23º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 10)





outono mais belo.
o ouro da mata na copa
do ipê amarelo.

segunda-feira, 16 de março de 2009

22º alvorecer - Enlouquecido

Mesmo cercado pelo amor de minha esposa, filhos, pais, parentes e amigos e tendo passado espremido pelo filtro dos tempos chegando inteiro até aqui, devo confessar: fali minha esperança, minha auto-estima!

Não quero alimentar o desespero nos outros, me tornar um leito caudaloso de desgraças que traga a todos que atravessam meu caminho; não reclamo a desafortunada vida! É minha solidariedade excessiva, utopicamente crente, comunista, boba, aliada a uma incapacidade de análise, de encadeamento dos fatos, que me irrita .
Estamos, sem exceção, expostos ao engano, à trapaça, à soturna lascívia feroz que nos arranca a paz e nos gasta a beleza do mundo. Mas analisando tamanha humilhação, verás que o fato que me ocorreu é coisa que fartura a descrença do indivíduo.

Observe friamente os acontecimentos, veja se não tenho razão:

Cheguei à Mangabinha faz sete meses, visando alcançar autonomia econômico-financeira, com o funcionamento de uma mercearia. Abertas as portas, as pessoas daqui, baianos exemplares, vieram com sua curiosidade conhecer o lugar, arrumar conteúdo para os fuxicos que nos une e distrae. Passada a primeira semana, já tínhamos inclusive uma cadela vira-lata tomando conta da porta em meio ao furdúncio das crianças comprando doce. Tudo conspirava a formação de um cenário romantissíssimo.

Foi nessa época que conheci Uguinha. Uguinha é uma moça baixa, atarracadinha, cabelo curto, bunda enorme, doida, doida mesmo, doida daquelas que não falam coisa com coisa. Tem uma risada muito engraçada, uma mistura de grito com gargalhada, que fica mais cômico ainda com a aparente falta de motivo pra tamanho transbordamento de alegria.
Pois então... foi essa moça que me enganou por seis meses!
Na primeira vez que entrou no mercadinho, me fez uma porção de perguntas:
- De quem é esse menino?
Meu e de Brisa
- Quem é aquela mulher que estava aqui? (gargalhada)
Brisa
- Cê é casado com ela, é?
Sou
- Você mora onde? (gargalhada, mão na boca, balanços... a mulher quase se estrebuchou no chão de tanto rir)
Segundo andar
Por aí eu já tirei que ela era doida, as outras visitas só fizeram confirmar minha primeira impressão.
Um dia Uguinha me apareceu dizendo que não estava se sentindo muito bem, que tinha vomitado e que estava um pouco tonta. Foi aí que reparei sua barriga oblíqua:
- Cê tá grávida, Uguinha?
Era a segunda semana de funcionamento do comércio e ela já tinha uma barriga de cinco pra seis meses de gestação. Quando fiz a pergunta, ela me lançou uma expressão, filha duma mãe, uma expressão tão descarada, mas tão descarada... levantou o rosto lentamente, botou uma risadinha no canto da boca e largou um "tôôô" que chega deu pena da miserável!
Daí em diante, toda vez que Uguinha chegava era uma história: e que o namorado fez isso, e que a sogra fez aquilo, e que a enfermeira demorou para atender, e que o ex-namorado estava com ciúmes, me explicava porque preferia um e não o outro, chorava, copiosamente, chorava... um suplício, meu deus!
Sempre preocupado com o bem estar das grávidas no mundo, puxava cadeira, dava atenção, água, pedia para que ela não se exaltasse, perguntava se estava se alimentando direito, dava corretivo nos meninos zoadentos... ela esbuguelava o zóio em mim, ficava como se estivesse vendo um bicho estranho e distante, esmiuçando meus movimentos. Dava vontade de perguntar: Tá viajando é Uguinha? Mas ficava na minha, por conta do estado sensível dela. Brisa já havia fechado a cara pra Uguinha fazia tempo, e vivia me dizendo que a moça estava afim de mim.
Funcionamos o mercadinho por sete meses. Dois dias antes de passarmos o ponto, Uguinha atravessou na porta gritando com Consul, outra figura, que estava longe, conversaram alguma coisa e Uguinha danou a rir.
Foi nessa hora que descobri tudo, impressionante!
A barriga de Uguinha continuava no mesmo lugar!
Fia da peste!

quinta-feira, 12 de março de 2009

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

20º alvorecer - Parte de uma entrevista com o bom véi, Ferreira Gullar



Mas hoje a globalização não está fazendo esse particular desaparecer? O mundo e a arte não estão cada vez mais “internacionais”?
F.G. – É uma tendência que já havia na época. A arte se tornou uma mercadoria e o mercado de arte, que era nacional, se tornou internacional. A arte conceitual que se pratica hoje no Brasil é a mesma em todas as partes do mundo. Qual é a sua característica própria? Nenhuma. Quem se expressa através disso? Como já dizia o Mário de Andrade, o internacional é o nacional de algum país. O internacional é uma abstração. É um domínio de um país sobre todos os outros. A arte conceitual, no caso, é uma tendência norte-americana, uma tendência introduzida por Duchamp num país sem tradição pictórica e que se alastrou pelo mundo. Evidentemente, a pintura do Antonio Henrique Amaral é muito mais criativa, marcante e enriquecedora do que a obra desses artistas que fazem sempre o mesmo urinol do Duchamp, ou a mesma instalação, ou a mesma arte em vídeo – como ocorreu na última Bienal de São Paulo. É contra isso que eu me voltava e nesse sentido acho que – à parte algumas coisas de caráter ideológico que não têm mais cabimento – Vanguarda e subdesenvolvimento continua a dizer coisas válidas no que se refere à questão da essência artística.
Cult – Falando dessa relação entre avaliação estética e mercado, você acredita, que o expressionismo abstrato norte-americano se tornou hegemônico porque vem de um país hegemônico?
F.G. – Sim, ele se impôs. E as Bienais e exposições internacionais também são expressão desse sistema da arte, em que rola muito dinheiro e prevalece o prestígio internacional do país e de suas instituições museológicas. Recentemente, o presidente da Fundação Guggenheim – que está abrindo filiais em várias cidades do mundo, incluindo o Rio de Janeiro – declarou ao New York Times que hoje em dia é mais fácil conseguir dinheiro para fazer museus do que para comprar obras de arte. O museu não é mais feito para conter obras de arte, é o museu pelo museu.
Cult – É o triunfo do formalismo: não se trata mais da forma da obra, mas da forma que contém a obra...
F.G. – O próprio Guggenheim é o primeiro museu feito assim. O arquiteto Frank Lloyd Wright projetou o Guggenheim de um modo que não tinha nada para ser museu, com paredes em curva, rampas e complicações arquitetônicas em que o museu em si é que passa a ser importante, mesmo se lá dentro estão obras de Malévitch ou Mondrian. Foi nisso que eles se inspiraram para fazer, por exemplo, o Guggenheim de Bilbao [na Espanha], que é uma extravagância arquitetônica.
Cult – E onde está a arte brasileira com traços particulares?
F.G. – A arte brasileira é o Siron Franco, o João Câmara, o Franz Weissmann, o Marcelo Grassman, com suas gravuras belíssimas. É claro que esta arte não vai competir com esse mundo disparatado do Big Brother ou da arte em vídeo, que é uma coisa chatíssima e que só existe para curadores. As pessoas vão procurar onde está o ser humano, que muitas vezes pode estar numa pequena gravura ou num quadro. Há um ano eu assisti a um espetáculo na Urca, para um público de cinco pessoas, encenado no quarto de uma casa. Sabe o que estava sendo encenado lá dentro? Crime e castigo [adaptação do romance de Dostoiévski], uma experiência incrível. Enquanto o mundo vai ficando globalizado e massificado – o que vai contra o ser humano, porque ninguém nasceu para morar em cidades do tamanho de São Paulo ou da cidade do México e por isso as pessoas vão se juntando e criando pequenas tribos –, a verdadeira arte está sendo feita para pequenos grupos de pessoas que ainda se comovem.
Cult – Isso inclui a poesia?
F.G. – O poeta não está nisso. A poesia, felizmente, não tem mercado e por isso não foi arrebatada por essa loucura. Eu costumo dizer que a poesia não vale nada, não tem nenhum valor... no mercado; ela só tem valor para as pessoas que a amam.

Parte de entrevista publicada na Revista Cult nº 60 da Editora 17 - http://www.revistacult.com.br/
Entrevista completa: http://www.culturapara.art.br/opoema/ferreiragullar/ferreiragullar_ent.htm

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

19º alvorecer - Pesadelo


Essa noite tive um pesadelo desgraçado. Deus me livre!
Um ex-professor meu, muito dedicado por sinal, apareceu aqui na porta
pedindo piedade, uma noite de sono apenas. Prontamente insisti que pusesse as sandálias e a cerimonia do lado de fora. Assim se deu.
- Entre, professor.
Deixei-o na sala, peguei minha toalha e fui tomar banho. No que sai do boxe, peladão, dei de cara com o malandro, cheio de lascívia, me esperando.
Era tudo ou nada!
Como quem numa guerra, parti pra cima do pederasta, piquê-lha porra, rumê-lhe a desgraça, quebrei-o no pau! Foi um furduncio só.
Acordei e a briga nem tinha acabado. Pelo andar da carruagem, acho que venci.
Faz três dias, conheci esse poema de Ferreira Gullar, lembrei-me dele:

MAU DESPERTAR

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

(Ferreira Gullar - agosto 1977)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

18º alvorecer - Manoel de Barros


Poeta é um ente
que lambe as palavras
e depois se alucina.


I

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

I
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

sábado, 3 de janeiro de 2009

17º alvorecer - Haikai e as lições naturais (parte 8)



A Todos Cumprimento
Nada Me Custa
Só Me Aumenta







"No enterro de Érico Veríssimo apareceu tanta gente desconhecida que, foram saber, eram pessoas que ele cumprimentava quando caminhava. Muitos nem sabiam que ele era escritor, foram ao enterro do homem que os cumprimentava e que, morto, apareceu na tevê. Por isso todas as palavras estão aí com maiúsculas, como nomes de gente."

Tanto o haikai quanto o o comentario: Domingos Pellegrine

http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=753868&tit=Brasigato
http://www.klickescritores.com.br/dompelegr00.html